quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Ana e Sofia - Lúcia Cerrone

O autor e diretor Ribamar Ribeiro, trouxe ao palco do Festival Niterói de Esquetes 2010, o melhor do folhetim com o espetáculo Ana e Sofia.

Escrito a partir das lembranças dos componentes do CTI – Comunidade Teatral do Irajá, a história se apresenta no ritmo bem marcado dos melodramas, sem o exagero que tão bem caracteriza o gênero.

O melodrama tradicional tem encenação diferente de tudo que já se viu. As peças eram guardadas num cofre, onde o ator só recebia a sua parte,para que o texto não fosse divulgado.

O circo pavilhão, grande divulgador do gênero, vivia de teatro e tinha um público imenso. Ele era para esse público o que é hoje a novela. Era o teatro popular que acabou perdendo suas casas de espetáculo e seu espaço na mídia. O pavilhão se instalava na cidade por dois meses e mudava o repertório toda a semana. E como diz a atriz e especialista em teatro pavilhão, Vic Militello: “Tinha que ser bem feito porque a falta de público significava para o ator a falta do que comer.”

Ana e Sofia, não tem em seu texto o drama barato ou a caricatura do drama, mas um tom de antigos programas radiofônicos onde o ouvinte enviava a sua historia e o cast da casa “dramatizava”. Atemporal e contemporâneo é o drama do dia a dia que às vezes sai no jornal.

Para enredo tão bem delineado o diretor Ribamar ribeiro cria um espetáculo de preciosos detalhes.

São cenas bem marcadas no tempo do ator. Sem pressa, ou pirotecnia a encenação acontece em planos distintos. A repetição proposital do texto só reforça a dramaticidade da ação.

Os atores Camila Zampier, Talita Bildeman e Almir Rodrigues, precisos na composição dos personagens ressaltam a simplicidade da trama em performance delicada.

Os adereços de cena, muito bem utilizados, tem destaque no imenso pano vermelho que reforça o drama num exagero calculado.

Ana e Sofia é um exercício para atores que não deixa o público fora do jogo. É o teatro com técnica sem medo de ser teatral.

A outra história da Barbie - crítica Leonardo Simões

a) Relação entre a proposta apresentada na ficha de inscrição e o que foi percebido em cena:
A proposta escrita basicamente descreveu os recursos da cena. Tal despretensão foi vista na apresentação, embora com grande resultado cômico devido aos elementos que analisamos a seguir.

b) Questões acerca da dramaturgia:
As bonecas Barbie e Suzi conversam, bebem e fumam, enquanto Skipper vai sair para uma festa do pijama. Da discussão entre Barbie e Skipper a respeito de seus limites, surge a revelação de que Skipper na verdade é filha de Barbie. Também participa da cena o Ken, cuja sexualidade é colocada em dúvida por estar levando escondido um vestido da Barbie para seu week-end em Malibu.
O texto é um encadeamento de citações que misturam situações típicas das brincadeiras de bonecas com questões da vida em carne e osso. A sátira direta funciona bem, com créditos à sua origem: o quadro do programa norte-americano Saturday Night Live (uma espécie de Zorra Total, com humor baseado em quadros caricaturais, bordões, etc.). O maior trunfo é a grande identificação com os espectadores, que vêem colocadas em cena as brincadeiras de duplo sentido que certamente já fizeram ao brincar com as bonecas que foram ícones de várias gerações.

c) Sobre a linguagem cênica e as referências utilizadas:
A cena se realiza de modo simples, com uma intenção de conferir à cena o tom cor-de-rosa e o clima artificial dos cenários de bonecas. O maior valor está na atenção que foi dada à movimentação enrijecida das personagens, que impõe o teatral numa cena cotidiana que talvez não tivesse maior interesse, a não ser pelo fato de que são bonecas e não pessoas. Para tanto, foi fundamental o fato de todos, diretora e atores, levarem essas características às últimas conseqüências, constituindo um código de comunicação com a platéia, que foi proposto e respeitado do início ao fim. Daí também decorre um momento de grande comicidade em que a flexibilidade das pernas plásticas é levada ao exagero: através de um truque de contra-regragem, Barbie e Skipper comparam sua elasticidade, levando suas pernas até os ombros. É um efeito cômico visual que, assim como o apuro na movimentação, conferiu à cena algo mais do que a mera sátira textual, ainda que sem maiores pretensões.

d) Quanto à interpretação:
As atuações correspondem aos clichês pretendidos e, por vezes, não parecem interpretações feitas por atrizes e ator, mas uma espécie de brincadeira que poderia ser feita por qualquer um. O único elemento que contradiz essa impressão é o já citado apuro na movimentação das bonecas. Mas, em todos, nota-se a inexperiência e o pouco domínio do tempo cômico. Falta qualidade técnica às vozes do elenco, que poderiam ser um pouco mais expressivas, marcando melhor o trabalho interpretativo e tirando maior proveito da comicidade. Nada disso, entretanto, prejudicou a eficácia da cena.

e) Sobre outros recursos expressivos utilizados:
Como já citado acima, destaco a contra-regragem das pernas falsas atrás do sofá.

f) Comunicação cênica:
O público gargalhou bastante com a sátira apresentada, assim como pelos limites pela tentativa de humanização das bonecas.

g) Comentários gerais:
Esse esquete trouxe para o Festival o elemento do inesperado, do inusitado que agradou pela assumida despretensão.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Os Caoseiros - Análise crítica de Leonardo Simões.

a) Relação entre a proposta apresentada na ficha de inscrição e o que foi percebido em cena:
A proposta escrita já trazia a simplicidade e a intenção de uma cena colada na realização do texto, com o único objetivo de rir através dos tipos, do exagero das falas e do fecho cômico.

b) Questões acerca da dramaturgia:
Amigos ricos em torno de uma mesa revelam suas memórias do tempo em que eram pobres e, como forma de competição, vão exagerando gradativamente as condições de suas próprias misérias do passado. Após chegarem ao cúmulo do exagero, em que um deles revela algo como “morar com seus 300 irmãos em cima de uma folha de alface podre”, o anfitrião, que se mantivera mudo e rindo por todo o tempo, revela que sua miséria era a pior de todas: ele viera de São Gonçalo.
Trata-se de um quadro cômico baseado numa espécie de anedota, que tem sua graça pelo exagero cumulativo. É uma cena do Fernando Caruso inspirada, segundo consta na ficha, no grupo inglês Monty Python, cuja principal característica era a crítica social com abuso do non sense.
Calcada meramente em clichês e tendo como base das personagens a assumida mentira em suas revelações, o texto segue a estrutura de uma anedota sem acrescentar nada além da oportunidade de pequenas caracterizações e a provocação do riso pelo crescente exagero. O recurso para encerrar a cena, cujo ritmo crescente de absurdos poderia não ter fim, é uma brincadeira de cunho local (é comum em Niterói uma certa crítica à cidade de São Gonçalo, como talvez se pudesse referir a Niterói, caso a cena fosse realizada no Rio de Janeiro). Gancho óbvio para um efeito cômico e só isso.

c) Sobre a linguagem cênica e as referências utilizadas:
A referência ao Grupo Monty Python fica mesmo só na relação com o texto e com certo ar de falsa “nobreza” com que os atores daquele grupo costumavam ridicularizar a empáfia britânica.
Mesmo a referência à linguagem non sense fica um pouco restrita, uma vez que os absurdos citados são estranhados em cena, porém assimilados como cumplicidade de um jogo que é dos próprios personagens, que mentem como mecanismo de competição, e não um jogo da cena como linguagem.

d) Quanto à interpretação:
As atuações correspondem ao que a cena pede em sua simplicidade. Mas são “realizações” que poderiam ser feitas por qualquer um, fosse ator ou não. Com a estrutura baseada numa única anedota, a cena não permite maiores interpretações e seus realizadores também parecem não ter pretendido nada além do que o riso já previsto.

e) Sobre outros recursos expressivos utilizados:
Objetos funcionais, mesas e cadeiras para criar de modo realista o ambiente em que se desenrola a conversa. Figurinos que acentuam os personagens clichês.

f) Comunicação cênica:
Como costuma ocorrer nessas cenas de puro divertimento, já bastante veiculadas pela televisão em programas do tipo Zorra Total, o público riu bastante, sobretudo no fecho da cena, pela já programada identificação com a crítica à cidade vizinha.

g) Comentários gerais:
Nada a acrescentar.

O Mentiroso - análise crítica: Leonardo Simões.

Título: O MENTIROSO
Autor: Jean Cocteau (com adaptação de Maria Ana Caixe e Marcelo Baère)
Responsável ou Grupo: O Berro
Interpretação: Elaine Dias (Reflexo), Maria Ana Caixe (Mentiroso) e Ray Cenna (Boneco)
Direção: Virgínia Castellões


a) Relação entre a proposta apresentada na ficha de inscrição e o que foi percebido em cena:
Logo que a cortina se abriu, vislumbrou-se uma imagem promissora, tanto dos signos utilizados quanto na ocupação plástica do palco, inclusive na verticalidade em direção ao urdimento (sim, o Teatro Municipal de Niterói tem um excelente urdimento com toda a maquinaria tradicional de um palco italiano! Coisa rara nesses tempos de teatros adaptados em shoppings).
No proscênio estava uma atriz segurando uma marionete de fios; atrás dela, na linha central da cena, encontrava-se a armação de um grande espelho, perpendicular à platéia, dividindo o palco em duas metades, vendo-se um ator numa parte e uma atriz na outra, ambos com os mesmos figurinos da marionete e atados nas principais articulações por expressivos elásticos que pendiam do alto. A força visual dessa primeira imagem, ainda que trouxesse elementos que não têm nada de inédito, conduziu o olhar para uma recepção positiva e sugeriu que veríamos um instigante exercício de metateatro, tendo como ponto de partida a discussão de Cocteau sobre a verdade e a mentira.
O que se desenrolou, entretanto, não sustentou essa expectativa criada pelo desenho da cena. Parte dessa frustração talvez possa ser compreendida ao analisarmos a proposta entregue pelo grupo O Berro no ato da inscrição no Festival. No aspecto mais burocrático, percebe-se uma confusão entre o preenchimento da sinopse e da proposta de encenação, sendo as informações parcialmente repetidas sem sentido. Quanto ao conteúdo e à proposta em si, nota-se que, embora citado na referida ficha, o aspecto principal da metateatralidade fica subjugado a um enquadramento psicológico da relação entre verdade e mentira, reduzindo o alcance teatral da cena a uma proposta de tese que não encontra base sustentável no texto e tampouco desenvolvimento expressivo no monólogo partilhado pelos três atores.

b) Questões acerca da dramaturgia:
O texto de Cocteau, por sua pequena dimensão e por confrontar os conceitos de verdade e mentira, é uma ótima oportunidade para se trabalhar as questões que sempre moveram e continuam movendo o teatro. Ao contrapor inicialmente o que é verdadeiro e o que é falso, apresentando depois os variados matizes e contradições entre esses dois extremos, Cocteau faz uma referência direta a Diderot, que no século XVIII já colocava essa questão através do seu Paradoxo do comediante, contrapondo-se ao teatro rigidamente convencional de sua época. Tal potencial dramatúrgico, útil para nós ainda nos dias de hoje, talvez tenha sido desconsiderado pela encenação, que o esvaziou com a distribuição do texto entre vários emissores, sem acrescentar algo mais do que uma interessante imagem inicial que não sustenta a cena em seu desenvolvimento.
Cabe aqui comentar a importância da função do “dramaturg”, ou dramaturgista para nós brasileiros (diferenciando-se do termo dramaturgo, escritor de teatro). Esse profissional chegou a existir no Brasil, em diversos grupos e companhia, na década de 1990, mas parece estar mais escasso hoje em dia. Com domínio teórico da literatura dramática e da história do teatro, cabe a ele estudar o texto escolhido pelo grupo ou encenador, assim como seu contexto histórico original, dando ao diretor e aos atores os subsídios (através de palestras, oficinas de estudo, vídeos, discussão de textos) para que esses passem a ter total liberdade na criação sem que o desconhecimento daquelas informações gere maiores problemas na relação entre texto e encenação. Em lugar de significar uma ênfase do textocentrismo, como talvez possa parecer, essa função visa preservar no processo as características próprias da dramaturgia, que serão aproveitadas ou não pelo diretor que poderá aplicar a sua concepção de modo mais livre, porém embasado.

c) Sobre a linguagem cênica e as referências utilizadas:
Houve por parte da diretora Virginia Castellões uma boa distribuição simbólica dos elementos do discurso, que para maior clareza do leitor são organizados aqui de modo diferente do que consta na ficha: realidade (o manipulador), realidade ficcional (a marionete real); e a ampliação dessa ficção duplicada (a marionete-humana e o seu reflexo). A proposta escrita aponta a opção de vincular o primeiro (manipulador) e o último elemento (o boneco humano e seu reflexo) às estruturas psíquicas denominadas por Freud e aqui descritas numa síntese simplista: o Id (os instintos motores do organismo, alheios às convenções sociais), o Ego (é o componente individual da personalidade, que equilibra as exigências do Id e do Superego com a realidade do mundo exterior) e o Superego (o componente social da personalidade, as normas e valores sociais introjetados pelo indivíduo, atuando como censor do Ego). Sem entrarmos no mérito dessa abordagem psicológica, cuja metáfora cênica apresentada seria bastante discutível, observa-se que o principal problema do esquete reside não nessa opção em si, mas nas conseqüências pouco elaboradas do caminho escolhido.
Na construção interna da concepção dessa cena, ou ao menos na formulação escrita da mesma, houver ainda a associação dessas estruturas a psique a dois planos batizados como “realístico” (o plano da frente com o manipulador e o boneco real) e “surreal” (o plano posterior, com o boneco humano e seu reflexo). Isso parece complicar ainda mais a proposta, esvaziando a relação concreta entre os conceitos de verdade e mentira, que seria enriquecedora como base técnica para os atores conquistarem maior domínio no diálogo extraído do solilóquio de Cocteau. Em vez de clarear essa relação paradoxal, valorizando os contrastes a serem expostos na cena, a complexa concepção parece tentar explicá-la. Assim, a rede psicológica jogada sobre o organismo vivo das múltiplas possibilidades do texto acaba por engessá-lo numa abordagem única, talvez mal assimilada pelos atores ou de difícil expressão concreta, resultando numa atuação vazia e destituída de um jogo verdadeiramente teatral, limitado à idéia à priore.
Dessa forma, a interessante distribuição dos emissores da narrativa, representados por símbolos de intensa teatralidade (o manipulador, a marionete real, a marionete-humana e seu reflexo), esvazia-se quando o texto assume a cena, sem que as muitas possibilidades da metáfora desenhada se realizem.
Não se construiu, em paralelo à idéia primeira, uma linguagem concreta para que os atores manejassem seu texto, seu corpo e sua voz.

d) Quanto à interpretação:
O elenco não se mostrou preparado para manejar os personagens simbólicos que estavam desenhados pela encenação (ou pela adaptação do texto). Livres de uma idéia preconcebida de modo tão complexo, e com base teórica duvidosa, talvez eles possam experimentar verdadeiramente as muitas relações possíveis da mentira que constitui o jogo cênico: o manipulador e o manipulado (tanto o boneco real quanto o humano); o boneco humano e seu reflexo; o espaço real e o imaginário; a recepção abstrata do texto e o público real; os dois territórios separados e ao mesmo tempo unidos pela fronteira representada pela superfície fictícia do espelho, enfim. Tudo isso experimentado de modo físico, com interferência de movimentos e sonoridades, pode enriquecer muito a estrutura visual já esboçada pela encenação, abrindo a possibilidade para muitas leituras.
A marcação inicial dos atores do fundo, presos aos elásticos, acaba sendo cumprida de modo impreciso quando os atores saem de seus focos por conta de movimentos que parecem desnecessários, frutos de um espontaneísmo corporal contraditório com os personagens que representavam. Gestos naturalistas que ampliaram a confusão quanto à proposta da cena. Há uma ênfase textual que não interage com o desenho da cena e das personagens, chegando por vezes a uma retórica que remete ao estereótipo do mau teatro infantil.
A própria relação do manipulador com o boneco real fica quase limitada a uma pose, sem constituir uma interação concreta. Dessa forma, a repartição do monólogo entre três emissores soa quase gratuita e arbitrária, pois não existe uma contracenação de fato que acentue as distinções desses elementos do discurso. Talvez em função do problema técnico da tesoura (com a qual a atriz que fazia o manipulador não conseguia cortar os elásticos do atores do fundo), houve uma repetição excessiva da frase final, que esvaziou o sentido da mesma e evidenciou a falta de domínio na relação entre desenho de cena, texto e interpretação.

e) Sobre outros recursos expressivos utilizados:
Como já citado acima, os figurinos, a cenografia e os adereços são interessantes, mas parecem estar a serviço de uma imagem única, uma pintura estática, e não como ferramentas de uma ação que no teatro se faz concreta.
A força plástica inicial, esvaída gradativamente ao longo das falas, desmontou-se completamente quando o manipulador tentou cortar os elásticos do boneco e de seu reflexo, com uma dificuldade técnica quase cômica, porque inesperada. O incidente revelou a arbitrariedade do gesto. Seria de fato importante “cortar” essas cordas que sustentam a ficção? Isso é uma ação cênica que contribui para o que está sendo discutido ou é uma solução meramente formal de desfecho com base numa expectativa ligada ao clichê da libertação do ser humano feito marionete? E, levada essa idéia à última conseqüência, por que o manipulador intervém diretamente no reflexo, cortando também as cordas dessa marionete virtual, como se transformasse simplesmente num contra-regra, fundindo aleatoriamente os planos anteriormente tão bem definidos?

f) Comunicação cênica:
A recepção por parte do público parece ter acompanhado o mesmo gráfico descrito acima: um encantamento inicial substituído gradativamente por desinteresse, fruto da não assimilação. Os elementos visuais, gestuais e textuais da cena estavam díspares; o cuidado da imagem inicial não se evidenciou na evolução da cena, enquanto movimento e emissão do texto. O público, como entidade coletiva, é mais sábio do que a soma de suas partes individuais. Ele percebe. Não sabe o que é, mas sente que algo está errado. A máquina não funciona.

g) Comentários gerais:
No âmbito de um Festival de Esquetes, que tem na origem da palavra esse caráter de “esboço”, toda experiência é bem vinda, mas convém que, a partir de seus acertos e também de seus equívocos, tenhamos todos (quem assistiu e quem realizou) a generosa liberdade de observar, refletir e aprender. Para tanto, não é preciso que ninguém se postule como “dono da verdade”, mas também não cabe mergulharmos no extremo oposto, compactuando com a mentira.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Aqui no sistema. Crítica de Leonardo Simões


Título: AQUI NO SISTEMA Esquete nº. 01 da quinta-feira, dia 29/7/2010.
Autor: Márcia Mendel
Responsável ou Grupo: Encenando
Interpretação: Talita Menezes e Maelcio Moraes
Direção: Mariana Rebello

a) Relação entre a proposta apresentada na ficha de inscrição e o que foi percebido em cena:

A proposta que consta na ficha já sugere a despretensão evidenciada na apresentação, embora tenha sido escrita de forma um pouco confusa, talvez na tentativa frustrada de conferir maior complexidade à intenção da cena.
Aliás, abro aqui um parêntesis para um comentário mais amplo, não específico do esquete em questão. Essa dificuldade dos proponentes escreverem sobre o trabalho que pretendem apresentar é muito frequente, não só nas fichas do Festival, nesta edição e na anterior, como também em inúmeros “projetos” de espetáculos que tenho tido a oportunidade de ler quando exerço as funções de parecerista e gestor de teatro. Tal constatação aponta um exercício necessário aos grupos em geral: escrever sinceramente sobre o próprio trabalho, ainda que pareça uma tarefa “burocrática” ajuda o proponente (e especialmente o responsável pela encenação) a lançar um olhar crítico, distanciado, sobre o seu próprio fazer, sobre as intenções que o movem e as referências que estão entranhadas no seu processo, muitas vezes de forma inconsciente ou ingênua. Por vezes, os problemas de determinadas cenas ou espetáculos podem ser detectados, e superados, pelo simples ato de parar e escrever, como objetivação de um pensamento. E sabemos que a escrita é mais facilitada quando há um hábito de leitura, o que gera um círculo virtuoso que só favorece ao maior domínio das ferramentas do teatro. O que não significa que os artistas, mesmo o diretor, precisem se tornar teóricos do teatro para exercerem seu ofício; mas simplesmente que é importante ampliar seu universo de referências, num processo gradativo, a fim de entenderem melhor o que estão fazendo e perceberem os obstáculos para atingirem a realização de suas propostas.
Dito isso, volto ao esquete Aqui no sistema. Na decifração da proposta escrita e no que foi visto no palco percebe-se uma realização da cena colada no texto (isto é, quase limitada a “realizar” o diálogo, o que não é um mal por si só) e por isso despretensiosa e sem uma elaboração além da própria “crítica” embutida no texto, que será analisado no item seguinte. Entretanto, no teatro, toda “realização” de um texto escrito, mesmo numa encenação simples, impõe a tomada de decisões ou opções diante da infinitude de possibilidades (nem sempre percebida). A diretora Mariana Rebello optou por valorizar a espoliação do sujeito (no caso, o personagem que pede uma pizza por telefone) diante da invasão de sua privacidade, utilizando o vestuário como uma “metáfora” (termo enfatizado na proposta escrita): o ator vai sendo gradativamente despido pela atendente da pizzaria, num jogo teatral em que os personagens que estariam supostamente distantes no espaço, somente conectados pela ligação telefônica, passam a interagir dividindo o mesmo espaço. Esse dado de “teatralidade” na relação física entre os atores, que já tem sido bastante utilizado e de fácil assimilação pelo público, pareceu ser o recurso principal (talvez o único?) usado pela diretora como meio de extrair a cena do seu contexto cotidiano para acompanhar a situação extrema proposta pelo texto. Outro elemento que tentaria apontar para um deslocamento da realidade é a opção pela cenografia que será comentada em outro item mais à frente.





b) Questões acerca da dramaturgia:

A situação proposta pelo texto Aqui no sistema, assinado por Márcia Mendel, parte de um ato banal e cotidiano para se tornar mais complexa ao longo do diálogo: um homem sozinho em casa, assistindo à TV, pede uma pizza pelo telefone; a atendente responde com o tom quase mecânico, típico do telemarketing, ao mesmo tempo em que vai revelando detalhes da vida privada do cliente acessados no “sistema”, que tudo contém.
A crítica bem humorada presente no texto toca no aspecto contemporâneo de submissão da vida privada aos mecanismos automáticos de controle social e financeiro do indivíduo na era da informação. Sendo uma questão que afeta o nosso cotidiano, esse tema cumpre bem a função de criar a identificação com os espectadores, que se vêem representados em cena, embora se trate de uma situação extrema (mas verossímil) do que ocorre na realidade. Assim, o esquete é um diálogo bem construído e que vai direto à questão sem maiores pretensões de estilo. Além dos já citados recursos de identificação, verossimilhança e exagero do real, o esquete marca sua nota cômica pelo do bordão da atendente (“aqui no sistema”), cuja repetição chega a esvaziá-lo, talvez em função da ênfase em tom único com que é dito pela atriz (provavelmente como uma opção da direção).
Esses elementos, que são comuns e até caracterizam a estrutura clássica do texto cômico, garantem uma compreensão imediata da cena e, por isso mesmo, favorecem a sensação de que tudo é previsível. Essa previsibilidade da situação, que muito frequentemente garante gargalhadas quando bem compensada por sutilezas de interpretação, por outro lado leva ao risco da perda parcial do interesse pelo desenvolvimento do esquete, sobretudo quando a interpretação e a direção se limitam a reforçar o que já está óbvio no texto.

c) Sobre a linguagem cênica e as referências utilizadas:

Conforme esboçado no item acima, não houve no esquete a associação com outras referências além das que já estão explícitas no texto. O elemento explorado pela direção na tentativa de uma escrita cênica foi a quebra dos limites espaciais entre os atores, cujos personagens estão se falando por telefone (como não tive acesso ao texto, somente posso deduzir que essa interação da atriz “despindo” o cliente, tenha sido uma idéia da encenação, mas também podia já estar indicada previamente pelo autor, nas rubricas), sem chegar a constituir uma linguagem para o jogo cênico. A conjugação entre texto, interpretação e outros elementos cênicos, analisados nos tópicos seguintes, talvez possa ser alvo de maior elaboração, buscando uma interação que não deve reforçar ou “dizer o mesmo”, mas que conjugue esses elementos, inclusive como forma de compensar a previsibilidade da situação proposta no texto.

d) Quanto à interpretação:

Nas primeiras frases do diálogo, os personagens já são claramente identificados, por serem expressões do nosso cotidiano ou de nós mesmos, como convém à comédia. Por isso mesmo, ressente-se da ausência de contrapontos na elaboração dos mesmos, para que eles saiam do limite dos tipos e tragam também alguma peculiaridade, algum dado menos previsível, a fim de que o interesse se renove ao longo da cena. O jogo teatral possibilita quebras e uma independência entre ator e personagem, inclusive acompanhando o que é sugerido pela já comentada quebra dos limites espaciais (atores interagindo fisicamente apesar dos personagens estarem distantes). Isso é dito aqui apenas como sugestão de um caminho de aprofundamento do trabalho dos atores Talita Menezes e Maelcio Moraes, que cumprem suas funções imediatas; entretanto, talvez pela pouca experiência, ainda carecem de maior atenção (e orientação) quanto a essa relação entre os personagens e o seu próprio espaço de criação dentro do que está proposto no texto e sugerido pela direção.




e) Sobre outros recursos expressivos utilizados:

Fora a cadeira em que o cliente está sentado diante da TV imaginária, visualizada em direção à platéia, os elementos cenográficos utilizados são caixas de papelão empilhadas ao fundo, dividindo o palco ao meio, e que servem como uma espécie de “empanada” improvisada de teatro de bonecos, atrás da qual surge a atendente da pizzaria que responde à ligação telefônica. Essa utilização de elementos não-realistas ainda não estava apontada na proposta entregue na inscrição, que indicava a opção por um “figurino neutro e, praticamente, a ausência de cenário”. Não há nenhum problema na evolução da proposta da cena entre o ato de inscrição e a apresentação. A observação importante aqui é que a opção pelas caixas nada leva à neutralidade, já que cenicamente o conjunto bem montado sugere uma “instalação” que é visualmente bastante forte, embora simples. E, na recepção do público, a visualização desses elementos é anterior e preponderante ao próprio desenvolvimento da cena. Diante das lacunas de uma escritura cênica autônoma ou ao menos eficaz para valorizar o texto (conforme já comentado em itens anteriores), a opção talvez quase improvisada quanto ao uso desses elementos para “preencher” a cena, entra em conflito com o restante da proposta, pois despojamento não é necessariamente sinônimo de neutralidade. Essa oposição talvez não representasse um problema e poderia até colaborar com o desenvolvimento da cena, se tais caixas fossem incorporadas a ela, não só em sua função visual (decorativa), mas com uma efetiva interação funcional com a ação, ampliando o grau de interesse e a conjugação dos diversos elementos esboçados.

f) Comunicação cênica:

Por ser o primeiro esquete do primeiro dia, a platéia ainda estava um tanto “fria”, ou talvez ainda digerindo os inesperados códigos do histriônico apresentador do Festival. Mas, como costuma ocorrer com toda cena cômica e de fácil identificação, o público reagiu de início com as risadas que evidenciam a identificação com a situação proposta. Ao longo da cena, entretanto, talvez pela previsibilidade já comentada, essas risadas passaram a evidenciar algo de complacência. Os aplausos finais revelaram uma nota constante em todos os dias, no que se refere à reação da platéia: o respeito com o trabalho dos grupos e com a própria proposta de diversidade e estímulo do Festival de Esquetes.

g) Comentários gerais:

Nada a acrescentar além do que já foi apontado nos itens anteriores. Somente uma explicação: comecei o trabalho de análise tentando seguir a ordem de apresentação, assim, sendo esta a primeira crítica escrita, embuti nos comentários desse esquete (Aqui no sistema) uma série de observações que provavelmente serão válidas para diversas outras cenas; por esse motivo, as análises seguintes deverão ser mais concisas, sem demérito algum dos demais participantes.

Ana e Sofia. Crítica de Leonardo Simões


Esquete nº. 02 da quinta-feira, dia 29/7/2010 - Título: ANA E SOFIA
Autor: Ribamar Ribeiro
Responsável ou Grupo: CTI – Comunidade Teatral do Irajá
Interpretação: Camila Zampier (Ana); Talita Bildeman (Sofia); e Almir Rodrigues (Leon).
Direção: Ribamar Ribeiro

a) Relação entre a proposta apresentada na ficha de inscrição e o que foi percebido em cena:
A proposta apresentada toca diretamente nos pontos percebidos como bases da cena realizada: o texto e a oralidade estruturados na linha do teatro narrativo; o uso simbólico de módulos e um baú que se transformam cenicamente, assim como tecidos coloridos, além do figurino simples que busca garantir, a um só tempo, a identidade e a unidade entre os personagens.
Caminhando sobre essas bases claras, e sem maiores pretensões, o trabalho evidencia o desenvolvimento contínuo do diretor, com seus atores e alunos, na linha do teatro narrativo, que busca mesclar cenicamente o ator-emissor e o personagem, numa fusão entre os gêneros épico e dramático. A função narrativa é então revezada de modo dinâmico entre as duas atrizes e o ator, sendo que no início este último assume mais a narração neutra, para só mais tarde passar a representar também o personagem Leon, que é o pivô de toda a trama.
Uma tendência ao exagero da dramaticidade (cuja aceitação varia muito conforme o gosto do receptor) é justificada tecnicamente, coerente com os diversos signos utilizados na cena. Essa dose de exagero dramático e o tom fortemente lírico, tanto nas situações propostas como no modo de expressá-las também esteve presente no esquete do mesmo diretor apresentado na edição passada (o esquete Minha alma é nada depois dessa história, com o seu núcleo profissional Os ciclomáticos), sugerindo uma espécie de estilo ou assinatura autoral da cena.

b) Questões acerca da dramaturgia:
A cena traz a história de um engano fatal, que faz com que as irmãs Ana e Sofia, muito ligadas entre si, tenham sua relação abalada. A suposta paixão por um mesmo homem é motivo de ciúmes que nascem de uma carta amorosa, e não assinada, guardada num baú. Certa de que essa carta fora escrita para Leon por Sofia, a irmã-poeta, Ana se sente traída e acaba por matar sua irmã. Após o tresloucado gesto, o engano é desfeito: na verdade, o rapaz pedira à Sofia que escrevesse a tal carta como se fosse ele expressando poeticamente o seu amor por Ana. A trama, portanto, é bastante simples e traz elementos do gênero folhetim, oriundo da literatura novecentista e que se perpetuou em algumas telenovelas: triângulo amoroso; laços familiares desfeitos em função de uma suposta traição; assassinato passional; e o fatídico reconhecimento tardio do engano trágico. Tal situação só ganha maior interesse no esquete porque o texto tem um tom assumidamente literário (não banalizado num diálogo diretamente teatral) e pelo recurso interpretativo do ator-narrador, integrado ao tratamento plástico dos elementos da cena.

c) Sobre a linguagem cênica e as referências utilizadas:
O envolvimento do diretor e de seu elenco com a pesquisa do teatro narrativo confere à cena sua principal sustentação: o jogo contínuo e fluído na alternância da narrativa e a harmonia de tom na construção de seus personagens. A marcação quase esquemática da cena, chegando à ocupação geométrica do palco, é atenuada pela qualidade dos movimentos e deslocamentos, associando algo de natural àquilo que é arbitrário. Nesse sentido, percebe-se uma ligação longínqua com a dança, que esteve mais aparente enquanto coreografia no já citado esquete apresentado em 2009, e que aqui talvez resida no trabalho subterrâneo, como treinamento ou mera inspiração. Além de uma espécie de musicalidade contínua, por vezes reforçada pela sonoplastia, há uma visível preocupação com o uso rítmico das falas, atributo essencial de um bom teatro narrativo.

d) Quanto à interpretação:
A linguagem construída pelo encenador e seus atores a partir da pesquisa sobre o teatro narrativo, conforme comentado acima, encontra boa repercussão nas características e recursos do elenco. Com boa voz, Camila Zampier (Ana), Talita Bildeman (Sofia) e Almir Rodrigues (Leon) respondem bem às exigências do texto e da direção, tanto nos momentos de uníssono que quase resultam numa melodia, quanto nas variações rítmicas e individualizações dos personagens. A transição entre ator-narrador e personagem se dilui de modo natural, mas sem perder a clareza. Isso só pode ser resultado de dedicação e treinamento, evidenciando uma outra qualidade essencial do elenco que é a disciplina (no sentido mais libertário do termo, entenda-se bem). Embora presente, o risco do tom folhetinesco, quanto às contradições entre o exagero e a naturalidade na interpretação, não chegou a desestruturar a atuação do trio, que se manteve coeso, sobretudo pela confiança na linguagem estabelecida pela cena.


e) Sobre outros recursos expressivos utilizados:
Fora o uso funcional de cubos, a cena é marcada por um elemento central: um simbólico baú, colocado ao fundo e de onde saem não só a origem do engano (a carta), mas também a sua conseqüência (a morte de Sofia). A preparação para o assassinato é bem acentuada visualmente quando Ana retira do baú um longo tecido vermelho que atravessa a cena e que depois será usado de modo intensamente teatral no estrangulamento da irmã.
Acompanhando essa força visual, os figurinos, concebidos e elaborados com simplicidade, conferem aos atores a necessária unidade; colaboram com a já citada fluência na alternância da narrativa e evitam o risco de isolamento dos três personagens desse equivocado triângulo amoroso.

f) Comunicação cênica:
O esquete obteve boa comunicação com o público, sugerindo um envolvimento emocional dela com a cena pela dramaticidade da situação de fácil compreensão. Para essa interação palco-platéia contribui muito o recurso do “contar e fazer”, que normalmente resulta num misto de estranhamento e aceitação da linguagem, que surpreende pela assumida teatralidade enquanto atrai pela clareza.


g) Comentários gerais:
Como já foi dito, o esquete evidencia a continuidade de uma pesquisa, com crescente domínio de seus recursos narrativos focados na comunicação direta e no envolvimento emocional/sensorial da platéia.

A mais forte, estruturada. Crítica Leonardo Simões


Esquete nº. 03 da quinta-feira, dia 29/7/2010 - Título: A MAIS FORTE, ESTRUTURADA
Autor: Adaptação de Márcio Zatta do texto de August Strindberg
Responsável ou Grupo: Cia. Teatro da Estrutura
Interpretação: Amélia Cristina (1ª srª X); Helen Maltasch (2ª srª X); Cíntia Travasso, Otto Caetano e Diego Sant´ana (a srª Y, respectivamente da direita, do centro e da esquerda).
Direção: Márcio Zatta

a) Relação entre a proposta apresentada na ficha de inscrição e o que foi percebido em cena:
A proposta escrita desse esquete refere-se ao trabalho de pesquisa realizado desde 2007, com o diretor Márcio Zatta, incluindo um “método” desenvolvido por ele, o “Teatro da Estrutura”, que também dá nome à companhia. Esse método, segundo consta na ficha, “mescla a verdade do ator e da personagem sobre determinado tema” para que se possa definir “a verdade absoluta para a composição da personagem” no processo de montagem. Como linhas para a encenação são citadas diversas referências teóricas e técnicas de treinamento: expressionismo, Artaud, kempô (arte marcial oriental que estuda o movimento dos animais) e Grotowski.
No esquete apresentado, lê-se desde o início a intenção de uma cena anti-realista, visando a desconstrução do texto e a valorização dos aspectos mais visuais da cena, sobretudo nos gestos rítmicos contínuos realizados em sincronia pelos três atores que estão sentados ao centro do palco (o trio que representa a Senhora Y) e também pela movimentação da atriz que faz seu desabafo (Amélia Cristina, como Senhora X) em torno das personagens sentadas. À esquerda, mais ao fundo, em atitude suspensa e estática, encontra-se a outra atriz (Helen Maltasch), que na parte final passa a assumir também o discurso da Senhora X, revezando-se com a primeira e também em ocasional sincronia.
As referências citadas apontam (ou explicam) o sentido da ênfase corporal dada à cena, a tal ponto que a ação física se sobrepõe ao texto, abafando-o ou mesmo anulando-o. A personagem da senhora X, deslocada para o perímetro do palco e para o proscênio, fica relegada a um inevitável segundo plano, apesar de sua intensa movimentação, em função da força visual da personagem central, triplicada no gestual orquestrado das ações físicas executadas pelos três atores sentados. Como senhora Y que somente ouve, presa a sua realidade imediata e passiva, eles peneiram arroz ou algum outro cereal e jogam-no ocasionalmente em baldes que ficam ao seu lado, pontuando momentos do conflituoso discurso da senhora X.
São alcançados de imediato, portanto, o estranhamento inicial e o estabelecimento de um universo expressionista, tal como proposto na ficha de inscrição; mas para tanto não seriam necessários os quase 15 minutos em que se desenrolam pequenas variações. O interesse inicial não é sustentado em função da quase anulação do texto, seja pela já citada ênfase na expressão gestual, ou pelas dificuldades na emissão das palavras, talvez decorrentes do esforço corporal ou de um desnível entre a preparação do corpo e da voz, que é desigual entre as duas atrizes que falam em cena.
Ainda que se considere a ruptura com a estrutura textual, o que resulta é uma seqüência de partituras intercaladas, por vezes interessantes pelo rigor técnico na sincronia (apesar de eventuais incidentes, como o da vela que caiu).

b) Questões acerca da dramaturgia:
A encenação de uma peça teatral, mesmo em se tratando de uma peça curta, condicionada ao formato do esquete tem se mostrado uma tarefa difícil e raramente bem sucedida. No caso desse trabalho, fica a impressão de que precisaríamos saber algo que nos é negado para acessarmos uma chave de entendimento (falo isso considerando que o espectador do Festival não precisaria ter lido o texto original para fruir a cena). Mesmo porque, como já foi esboçado, até a compreensão auditiva de parte do texto fica prejudicada pelas condições de emissão do mesmo.
Talvez esse problema possa ser explicado, em parte, se o esquete apresentado for uma compressão ou o trecho de um trabalho de maior duração, embora isso não tenha sido informado na ficha. E, visto que o texto original de Strindberg (A mais forte) já é uma peça curta, tal compressão não deveria ser tão traumática quanto o que ocorre com a adaptação de peças mais extensas. Enfim, a impressão que se tem quanto ao texto, ao assistirmos à cena, é de que ele é desnecessário. Ou, ainda, pode-se perguntar: por que escolher essa peça? A busca excessiva de autonomia entre texto e ação (fora a compreensão imediata das funções exercidas pelas personagens X e Y no discurso) parece resultar numa partitura corporal que poderia abrigar diversas outras peças, algumas das quais talvez com maior eficácia.

c) Sobre a linguagem cênica e as referências utilizadas:
Apesar das considerações acima, deve-se respeitar o espaço garantido no Festival quanto à apropriação do esquete na acepção original do termo (do inglês sketch, que significa esboço ). Daí vermos alguns trabalhos que são reflexos de exercícios ou de realizações práticas de pesquisas, ou mesmo de embriões de futuros espetáculos. Têm seu valor como expressão e compartilhamento de um processo, ainda que cada um deles não se sustente como um esquete autônomo, com a unidade que se espera apesar da pouca duração.
Feita a ressalva, pode-se dizer que, nessa cena, a dificuldade da adaptação de uma peça ao formato específico de um esquete é ampliada pela linguagem cênica adotada. As referências citadas na proposta escrita parecem fundamentar o trabalho contínuo do grupo, mas não colaboram com a construção desta cena (se for permitida a metáfora) como uma porção a ser servida e degustada nesse variado buffet que é um festival de esquetes.

d) Quanto à interpretação:
O rigor formal do elenco impressiona, tanto pelo esforço físico resultante de um intenso treinamento, como pela disciplina na submissão à linguagem definida pela direção. Por outro lado, essa “submissão” parece esvaziar a autonomia criativa dos atores e mesmo o seu domínio em cena quando “a orquestra desafina”, como no caso em que a vela de um dos atores caiu no chão. Ela “não deveria ter caído” e, portanto, foi ignorada (mas não pelo público). É nesses incidentes que, às vezes, o presenteísmo do teatro se manifesta, como um grito natural de socorro em meio a toda a mecanização do humano. Não se trata aqui de supervalorizar um incidente que de modo algum afetou a qualidade da cena como um todo, mas apenas usá-lo como um ponto mais concreto de compreensão do que parece faltar ao esquete apresentado: o espontâneo ou o vivo, dentro do que está determinado ou coreografado.
Quanto aos recursos expressivos do elenco, percebe-se um desequilíbrio, já comentado acima, entre a energia aplicada ao trabalho corporal e ao trabalho vocal. E ainda um desnível na voz entre as atrizes que se encarregam da verborrágica senhora X. A atriz Helen Maltasch, que passa a revezar o texto com a anterior, não apresentou uma boa emissão vocal, falando o texto com tonalidade única e rapidez excessiva, o que colaborou para a queda de interesse na segunda parte da cena. Se por um lado a estrutura do que era visto na primeira parte praticamente não se modificou, aquilo que era ouvido, com compreensão já dificultada por tudo que foi analisado anteriormente, passou a ficar menos expressivo ou quase ininteligível.

e) Sobre outros recursos expressivos utilizados:
A atriz Amélia Cristina (a 1ª srª X) fez uma intervenção cantada com impostação lírica e boa qualidade técnica, trazendo um interessante colorido àquele instante. Já a música de fundo prejudicou em alguns momentos a compreensão do texto.
Foram usadas velas acesas em cena, manipuladas pelos três atores que ficavam sentados com movimentos iguais. Embora tenham causado um interessante efeito, conferindo alguma variação ao gestual da primeira parte, causaram certa inquietação (além da quebra da precisão) no já citado incidente em que uma das velas caiu.
As caras pintadas de branco talvez tenha sido uma opção de caracterização para reforçar o tom expressionista pretendido pela cena. Foi possível notar, neste 3º Festival, um uso freqüente desse recurso em diversos esquetes apresentados. Parece uma tendência de ênfase do anti-realismo, uma espécie de grito agônico da teatralidade. Lembra, também, a imagem que o senso comum associa ao teatro, numa espécie de ingenuidade ou amadorismo. Ou seria uma fronteira de resistência intuitiva à persistente onda do stand-up comedy, também chamado de “humor de cara limpa”?

f) Comunicação cênica:
O quadro inicial da cena, pelo estranhamento e pela sincronia dos movimentos, garantiu ao esquete um interesse junto ao público. Ao longo da cena, entretanto, esse vigor inicial parece ter diminuído. Apesar disso, a reação da platéia ao fim do esquete foi um educado aplauso, apontando a tônica do Festival, no que se refere ao público: uma atitude respeitadora do empenho dos diversos artistas que se apresentaram com suas mais variadas propostas.

g) Comentários gerais:
Todos os apontamentos feitos foram desenvolvidos nos itens anteriores.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A outra história da Barbie. Por Lúcia Cerrone


Brincando no palco com esse ícone açucarado que chega aos 50 sem rugas, as autoras Andrezza Abreu (Susi) Karina Ramil ( Barbie) e Anita Chaves ( Skipper) também atrizes do espetáculo, trazem a cena um divertidíssimo esquete inspirado no quadro Inside Barbie’s Dreamhouse do Saturday Night Live. Quem viu a cena original no Photobucket com BritneySpears já sabe que a dos Papibaquígrafos é muito melhor.
Da história base, as autoras aproveitaram a Barbie e a Skipper como personagens centrais e mais uma rápida aparição do Ken ( Felipe Genes) Num tom local, acrescentaram a presença da Susi, tida como uma boneca genuinamente brasileira- o que não é verdade, ela é uma copia da Tammy da Ideal americana –a geradora de todo o conflito.
Nessa dreamhouse as bonecas fumam, contam atrocidades sobre sua vida amorosa e fazem uma revelação bombástica sobre o DNA de Skipper.
O texto saboroso e de humor inusitado tem na direção de João Sant’anna toques precisos sobre o movimento dos brinquedos e seus braços não articulados. Em nenhum momento as atrizes esquecem sua condição de brinquedo o que reforça o “absurdo” do texto. A cena do abraço Skipper/Barbie é um desses achados cênicos.
A ambientação da casa dos sonhos, completamente de acordo com o texto tem o cuidado em reproduzir os acessórios da Mattel com exatidão. São escovas em tamanho real, Milk shakes exagerados no colorido e uma arara com o melhor do Ebay.
A Outra História da Barbie é um esquete que mexe com a memória da jovem platéia pelas citações aos seus brinquedos e jogos mais queridos, mas que não deixa o resto do público de fora da brincadeira.

R E S U L T A D O

1 lugar Esperando...
2 lugar Segredos do campo de girassóis.
3 lugar Duas palhaças e um Pequeno Príncipe.

Melhor Diretor: Lara Siqueira e Márcio Vito por Kad`Buné.

Melhor Atriz: Rachel Palmeirim

Melhor Ator: Reynaldo Dutra e Ricardo Lyra Jr.

Melhor Texto Original: Rodrigo Sena por Segredos do campo de girassóis.

Caracterização: Ana e Sofia

Prêmio Especial do Júri: Segredos do campo de girassóis

Júri Popular: A outra história da Barbie

domingo, 1 de agosto de 2010

Indicados aos prêmios do Festival Niterói de Esquetes 2010.

Esquetes selecionados para reapresentação no domingo (em ordem de apresentação)


Ana e Sofia
A outra história da barbie
Esperando...
Justo
Film Noir
Duas palhaças e um pequeno príncipe
Ator emparedado
Kad`Bune
Segredos do campo de girassóis


Texto:

Afra Gomes e Leandro Goulart por Justo
Rafael Janeiro por Film Noir
Rodrigo Sena por Segredos do campos de girassóis


Atriz

Raquel Palmeirim poe Esperndo
Karla Concá por Duas palhaças e um pequeno príncipe
Anna Luiza Cabral por Virtuosa
Tainá Louven Kad`Bunè



Ator

Ricardo Lyra Jr. por Esperando...
Rafael Britz por Justo
Raphael Janeiro por Film Noir
Reynaldo Dutra por Ator emparedado
Felipe Sut por Kad`Bune


Direção

Ribamar Ribeiro por Ana e Sofia
Reynaldo Dutra por Esperando...
Lara Siqueira e Márcio Vito por Kad`Bunè
Rodrigo Sena por Segredos dos campos de girassóis


Juri Popular

A outra história da Barbie
Variaçoes sobre o mesmo tema
Ator emparedado
Segredo do campo de girassóis

Caracterização

Ana e Sofia
Esperando...
Film Noir
Duas palhaças e um pequeno príncipe
kad`Bunè



Prêmio especial do juri

A outra historia da Barbie (pela construçao corporal)
Film Noir (pela iluminação)
Segredos do campo de girassóis (pela qualidade e harmonia do elenco)