terça-feira, 30 de agosto de 2011

BANZAI - Crítica Leonardo Simões.


Logo à abertura da cortina, pode-se ver uma cena centrada sob uma estrutura luminosa que, a um só tempo, é cenográfica e funcional, possibilitando uma iluminação autônoma que se assume como elemento de construção da própria narrativa. Tal utilização diferenciada da iluminação já tem marcado a passagem do Grupo Os Pataphisicos desde a edição anterior do Festival Niterói de Esquetes, quando eles apresentaram o também instigante esquete Film Noir.
A referência à cultura oriental é imediatamente percebida como matriz do processo criativo da cena. A situação cênica parte de uma enigmática conversa entre um mestre e seu discípulo, chamado de “gafanhoto” (numa referência direta ao herói da série de TV, Kung Fu, interpretado pelo recém-falecido David Carradine).
Enquanto se desenvolve essa conversa, uma terceira participante faz uma partitura paralela atrás e nas laterais da cena, num misto de apresentação e ocultação de sua personagem, através de um trajeto que é executado bem lentamente, tal como os deslocamentos no Teatro Nô, o que acentua o clima de certo mistério.
Partindo de um pastiche de referências de filmes de ação vinculados à cultura oriental, a estrutura ritualística é construída com cuidado, para depois ser quebrada gradativamente, com o desenvolvimento da cena, que vai se distanciando da primeira impressão causada, para assumir contornos que beiram ao bufo, numa sátira declarada aos clichês das representações cênicas desse universo.
Paira um tipo de cinismo manifesto na opção de dubiedade conferida ao esquete, justamente pela relação entre o hierático e o cômico. A comicidade da cena alcança comunicação com a platéia de modo mais direto quando se liberta da rigidez dos signos orientais que a estruturam enquanto forma.
Ainda assim, é perceptível uma espécie de duelo entre a capacidade de instaurar uma imitação do clima oriental, com todos os seus signos, e o desenrolar de um enredo (que a rigor, na narrativa oriental, costuma ser muito simples e colocado em segundo plano). Tal impasse, que frustra uma suposta eficácia cômica mais tradicional, desfaz-se de modo arriscado no desenvolvimento final do texto, quando esse equilíbrio é desmontado e o diálogo passa do non sense a uma intenção cômica mais clara. Na verdade, a manipulação cômica dos clichês apresentados aparece de modo mais positivo nos momentos não textuais. O diálogo que encerra o esquete, logo após uma ação que já era bastante conclusiva, causa a impressão de que o texto sobra, principalmente porque parece se prender a uma explicação da “historinha”, numa espécie de anedota, que acaba banalizando o clima instigante que é construído ao longo da cena.
Quanto à interpretação, é de se destacar a interessante caracterização dos personagens, reforçada pelos elementos visuais, como figurinos e maquiagem, mas obtida principalmente pela composição corporal, que evidencia uma pesquisa dos padrões dessa tipologia. Entretanto, há opções que causam um estranhamento que inibe um possível desenvolvimento da cena: a artificialidade das risadas (sobretudo a do velho mestre, interpretado por Edson Santiago) é exagerada além do limite, ainda que faça parte do clichê satirizado; e a voz do ator que faz o discípulo (Raphael Janeiro) soa muito forçada durante todo o esquete, com tom e volume que vão muito além do necessário, causando um ruído na comunicação entre a cena e o público. Ele parece traduzir a fala ritualizada do discípulo num registro robotizado e numa impostação praticamente gritada. Não sendo percebido, ao fim da cena, o porquê de um possível uso intencional desse recurso, resta a impressão de uma falha na expressão vocal.
A coreografia final do duelo entre os dois atores (com a qual a cena poderia ter se encerrado) é um momento interessante e de grande comunicação com a platéia, embora tenha se estendido além do necessário.
O destaque para este trabalho é, sem dúvida, a capacidade de instauração do clima oriental através de poucos elementos, e principalmente pela boa apropriação cênica do recurso de iluminação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário