domingo, 5 de setembro de 2010

Título: O DOUTOR LOUCO crítica: Leonardo Simões

a) Relação entre a proposta apresentada na ficha de inscrição e o que foi percebido em cena:
A proposta incluída na ficha de inscrição desse esquete cita uma série de intenções que não se realizaram na cena, num misto de pretensão e desconhecimento que explicam bem o equívoco visto no palco. Em síntese, o grupo se propõe a explorar comicamente “o ridículo da condição da loucura do homem contemporâneo”, através da comicidade de movimentos corporais e uso de certos objetos, além da alternância de tempos no movimento corporal e do jogo de prolongamentos e rupturas das ações, citando inclusive uma incompreensível referência a Bob Wilson.
O que se viu, entretanto, foi uma cena pretensamente cômica cuja graça se esgotou logo no primeiro terço, com uma inábil repetição de gags e trejeitos do personagem principal, representado pelo autor e também diretor. A impressão que ficou é que esse estereótipo do “médico louco”, materializado pela risada e gestual histriônicos, foi o motor criativo da cena, que não se desenvolveu além dessa caricatura.

b) Questões acerca da dramaturgia:
A falta de dramaturgia foi o principal motivo do esvaziamento da cena. Ainda que partisse de clichês ou caricaturas, a exploração das mesmas através de um bom desenvolvimento da situação e dos diálogos garantiria uma base a partir da qual os atores talvez tivessem melhores condições de desempenho. Nesse esquete, a conciliação das funções de autor, diretor e ator principal numa mesma pessoa resultou na absoluta ausência de autocrítica. O teatro impõe a superposição e a interação de leituras, o que é um exercício difícil se for realizado sob o ponto de vista de uma única pessoa, sobretudo quando esta ainda não possui a necessária experiência para tal.
A cena começa com um clima de suspense, referindo-se aos filmes de terror em que figuram os cientistas loucos e também aos desenhos animados que satirizam esses clichês. A situação proposta inicialmente é a da mocinha amarrada que servirá de cobaia aos experimentos do louco. Em lugar do desenvolvimento dessa situação, que poderia resultar num bom pastiche, o que segue é uma série de gags mais focadas no histrionismo do ator, culminando numa abordagem psicanalítica em que a mocinha passa de vítima a repressora, como se o médico delirasse vendo nela a sua mãe. Tudo isso em sugestões bastante confusas que se perdem tanto em proposta quanto em realização.

c) Sobre a linguagem cênica e as referências utilizadas:
O início da cena sugere as referências citadas acima (os clichês de filmes de terror e histórias em quadrinhos) que estranhamente não são sequer citadas na proposta entregue pelo grupo no ato da inscrição. Não foi possível detectar o estabelecimento de nenhuma linguagem cênica compreensível, restando apenas intenções pouco exploradas com esse clima inicial e a ênfase na caracterização histriônica do ator no papel-título.

d) Quanto à interpretação:
Aparentemente, os atores têm pouca ou nenhuma experiência teatral. A caricatura do Doutor Louco, realizada de modo histriônico pelo “ator-diretor-autor” Leandro Fernandes, acaba perdendo a graça, quando se percebe que o personagem e seu intérprete não têm nada mais a acrescentar. A repetição excessiva trai a eficácia da gag, quando esta passa a ser uma espécie de tábua de salvação para tentar renovar em vão o interesse do público com o mesmo recurso que causou risos no início da cena. Embora a repetição seja um dos mecanismos da comicidade, bem aproveitado pelos palhaços e cômicos em geral, seu uso precisa ser bem dosado e não pode ser o único elemento de sustentação de uma cena.

e) Sobre outros recursos expressivos utilizados:
Assim como tudo foi confuso neste esquete, a utilização da pintura branca no rosto do ator é absolutamente incompreensível e injustificável. Talvez seja uma vez mais o velho clichê amador que vê nisso uma referência à teatralidade, independentemente de qualquer linguagem ou de contexto. Aliás, vale comentar que esse tipo de pintura facial foi recorrente neste Festival; algumas vezes com uso mais apropriado e noutras não, como no esquete em questão. Os figurinos, que poderiam contribuir com a valorização dos clichês utilizados, são absolutamente ineficazes e só aumentaram a impressão geral de descuido.

f) Comunicação cênica:
Apesar do já citado riso inicial provocado pela caricatura gestual nas risadas do personagem título, ao longo da cena a resposta dos espectadores foi diminuindo e resultaram num aplauso educado e até complacente com o esforço (ou uma estranha espécie de coragem) dos participantes do esquete.

g) Comentários gerais:
Sem comentários.

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