sábado, 1 de outubro de 2011

Solo - Crítica Leonardo Simões

O mundo do teatro é, ao mesmo tempo, imensamente vasto e infinitamente pequeno. Felizmente, é comum que pessoas da mesma “tribo” se reencontrem em diversos momentos. Antes de iniciar esta análise, preciso abrir um parêntesis para dizer que Solo proporcionou um desses reencontros: o ator-criador desse esquete foi meu aluno no curso que mantive por longo tempo em Niterói, o Camarim Curso Básico de Teatro, nas décadas de 1980 e 1990. Não sei precisar exatamente o ano em que ele cursou, mas deve ter sido em 1989. Não é raro ver ex-alunos nesses eventos (tenho encontrado muitos, como parceiros de criação ou assistindo-os nos palcos), mas quis destacar o Cesar Tavares por ter sido praticamente a primeira vez que nos encontramos desde então, e também porque à época ele era um desses alunos muito tímidos que o professor internamente duvida que vá adiante, num dos equívocos didáticos que cometemos aqui e ali. O fato é que ele foi, construiu uma carreira, trabalhou em espetáculos e companhias importantes e adentrou o território dos clowns, onde tem fincado sua bandeira. Dito isso, exorcizo aqui a dificuldade que o crítico normalmente encontra ao escrever sobre alguém que se conhece e de cujo processo ele foi partícipe de alguma maneira. O importante é que foi um reencontro feliz. Analisando mais objetivamente o esquete, pode-se dizer que Solo se insere naquela categoria de entreato cômico, que já abordei tantas vezes em edições anteriores deste Festival Niterói de Esquetes. Sobretudo pelo uso da linguagem de clown, o esquete retoma a função original que esse formato exercia nas apresentações de variedades e nas revistas, quando um comediante ocupava o proscênio para entreter o público, enquanto atrás da cortina operava-se a mudança de cenários. Isso não é nenhum demérito, somente aponta o vínculo com uma tradição no que se refere ao formato esquete, que tem se deslizado para outras finalidades, como também já comentamos em textos anteriores. César constrói seu personagem como um anti-palhaço: aquele que tenta fazer graça, mas não consegue. Nesse gesto verdadeiramente patético, de contraste entre a intenção e a eficácia da finalidade do palhaço, o esquete tem uma ótima entrada em que toda a expressividade do ator já comunica de imediato essa inadequação, esse “entrar derrotado”. O desenvolvimento é menos feliz, talvez exatamente porque o principal já foi entregue logo na entrada. Seguem-se um discurso confessional (em que ele explicita que não consegue fazer rir) e algumas gags propositalmente ineficazes. Mesmo quando parece buscar o riso, resta-nos a impressão de que os tempos são meio antecipados. A desistência vem muito antes da persistência, o que não colabora para constituir a verdadeira quebra que talvez gerasse a fluência do riso, no conceito clássico de Henri Bérgson (O riso). Isso evidencia o aspecto mais frágil do esquete que é a dramaturgia, não no sentido do texto escrito, mas de conexão entre as situações, de ritmo em relação ao que acontece (ou não acontece) em cena. Talvez a ausência da interação com o texto de outro e também de um olhar de fora resultem numa concentração criativa pouco eficaz. Vale registrar que, no debate realizado ao fim desse primeiro dia de Festival, o próprio Cesar Tavares considerou esse esquete como o exercício de uma cena em construção. Para tanto, ele se utiliza de um núcleo elaborado anteriormente, em que canta um embróglio extraído da cultura popular, que relata uma trapalhada familiar com todo tipo de troca de parentescos. Ainda assim, esse núcleo não se encontra bem encaixado, soando como um desvio ao que foi construído anteriormente. Além disso, esse número musical talvez alcançasse maior eficiência e comicidade se o ator dominasse algum instrumento musical para seu próprio acompanhamento, recurso regularmente utilizado pelos clowns. O destaque deste trabalho, além da já citada expressividade do ator no campo do patético, vai para o desfecho da cena, que também não se conecta com o restante e, por isso mesmo, sobressai como uma surpresa em relação ao que já estava dado desde o início. Esse momento é construído por uma música instrumental que alude ao universo circense. O som é acentuado por uma luz que vem da coxia, na qual o ator visualiza a passagem do imaginário circo. Se recorrermos à tradição (através de Charles Chaplin, Harold Loyd e Buster Keaton, por exemplo), será fácil reconhecermos que o patético se combina bem com o lírico, levando-nos a uma emoção paralela ao riso. Disse isso para não dizer “que está para além do riso”, o que poderia sugerir um incoerente juízo de valor entre “gêneros”, em que se costuma cair com tanta frequência. Assim, fascinado por essa imagem, o clown de César Tavares deixa o palco, reforçando a idéia de incompletude, de algo que ficou por ser feito. Esse instante final, em que o som e a luz são utilizados poeticamente, traz uma efetiva teatralidade até então negadas à cena. A reação do público, vaga durante os momentos supostamente cômicos, transformou-se em reverente aplauso nesse desfecho lírico.

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