terça-feira, 30 de agosto de 2011

Bão, o lutador. Crítica de Leonardo Simões

O esquete se configura como um verdadeiro entreato cômico ou um esquete típico do humor imediato que tem dominado os palcos e as numerosas platéias cariocas, alavancadas pela popularidade desse tipo de comunicação direta construído pelos programas de TV como Zorra Total e similares. Apesar dessa contextualização, o esquete nada fica a dever enquanto execução, e mesmo o texto é recheado de excelentes achados que mantêm intensa comunicação com a platéia e garante risadas constantes.
Tudo isso, entretanto, poderia ficar somente na intenção, caso não houvesse por trás dessa opção um ator em pleno domínio daquilo a que se propõe. Não fosse a capacidade técnica exibida na performance, o esquete poderia ter se limitado a uma cena de stand up comedy, com um apanhado de situações cômicas meramente textuais amarradas por clichês de efeito garantido.
Breno Guimarães, que concentra as funções de autor, ator e diretor do esquete, demonstra um entrosamento orgânico com o universo abordado e com os ganchos de duplo sentido que sustentam a evolução da cena. Ao satirizar o perfil do “macho” (e a resistente homofobia), Breno pinça aspectos que evidenciam a dualidade homoerótica e a sensualidade que pulsam sob a brutalidade do contato corpo a corpo durante o treinamento e a prática de diversas lutas, tais como o “vale tudo” e suas modalidades mais recentes. Lembro aqui do que dizia Tim Maia: “vale tudo... só não vale dançar homem com homem e nem mulher com mulher”.
O texto é repleto de truques verbais (como “lijonviado” e “posição fecal”) muito bem associados a posturas e gestos que, apesar de vinculados ao ambiente das lutas, são de fácil reconhecimento por parte de todos, o que garante a manipulação humorística junto à platéia. Noutra boa tirada cômica, o ator insere o tema da sátira diretamente no diálogo ao dizer que pensava que “homofobia era alergia a sabão em pó”.
Há um trabalho constante de deslocamento das “atitudes naturais” do personagem, realçando o duplo sentido que se pretende apontar. Em vários momentos, esse efeito é obtido através da inserção de elementos estranhos, porém plenamente justificados, tal como as músicas de forró e bossa nova tocadas, supostamente por um celular, enquanto o ator pratica alguns movimentos da luta com um espectador que é “seqüestrado” da platéia e atua como coadjuvante (num uso recorrente do tradicional número de platéia das revistas cariocas e francesas). Pela superposição de elementos díspares, a cena alcança nesse momento uma intensa comicidade, quando a demonstração da luta brutal sugere ao espectador uma dança sedutora e romântica entre dois homens.
São efeitos ingênuos, pode-se dizer, porém de inegável eficácia cômica.
A historiografia brasileira tem se esforçado no estudo de procedimentos e técnicas do chamado teatro cômico ligeiro dos últimos dois séculos, soterrados pela invenção do teatro moderno em meados do século passado, com suas referências de atualização. Portanto, soa incoerente generalizar um procedimento crítico que desdenha dos recursos cômicos já estabelecidos somente em função de seu aspecto popular, que pode confundi-los com um “teatro fácil”. Há que se perceber que, sob a aparente superficialidade de lidar com clichês e narrativas facilmente assimiladas pelo público, pode existir um efetivo trabalho teatral sendo operado. Sobretudo quando o arranjo e a execução dessas gags textuais e corporais são realizados de modo autêntico e com brilho criativo, como é o caso deste esquete.
Seja nas críticas de outros esquetes ou em textos intermediários de caráter mais geral, espero ter oportunidade para abordar esse deslizamento que tem ocorrido com a modalidade esquete, em função da exigência de um espaço de experimentação cênica, que entra em choque com a própria origem desse formato. Tal discussão, inevitavelmente colocada pela diversidade apresentada neste Festival, foi esboçada em alguns dos debates, mas ainda merece uma análise mais aprofundada.
A alegação de apenas divertir não pode ser usada para que se desconsidere uma forma teatral legítima, quando os recursos do texto, do ator e da cena alcançam seu propósito devido à boa aplicação, o que ficou claro pelo entusiasmado aplauso que esse trabalho recebeu do público presente ao primeiro dia do 4º Festival Niterói de Esquetes.
“Bão, o lutador” é um esquete simples e despretensioso, mas realizado por seu ator-criador de modo eficaz, atingindo plenamente o objetivo único de divertir.

BANZAI - Crítica Leonardo Simões.


Logo à abertura da cortina, pode-se ver uma cena centrada sob uma estrutura luminosa que, a um só tempo, é cenográfica e funcional, possibilitando uma iluminação autônoma que se assume como elemento de construção da própria narrativa. Tal utilização diferenciada da iluminação já tem marcado a passagem do Grupo Os Pataphisicos desde a edição anterior do Festival Niterói de Esquetes, quando eles apresentaram o também instigante esquete Film Noir.
A referência à cultura oriental é imediatamente percebida como matriz do processo criativo da cena. A situação cênica parte de uma enigmática conversa entre um mestre e seu discípulo, chamado de “gafanhoto” (numa referência direta ao herói da série de TV, Kung Fu, interpretado pelo recém-falecido David Carradine).
Enquanto se desenvolve essa conversa, uma terceira participante faz uma partitura paralela atrás e nas laterais da cena, num misto de apresentação e ocultação de sua personagem, através de um trajeto que é executado bem lentamente, tal como os deslocamentos no Teatro Nô, o que acentua o clima de certo mistério.
Partindo de um pastiche de referências de filmes de ação vinculados à cultura oriental, a estrutura ritualística é construída com cuidado, para depois ser quebrada gradativamente, com o desenvolvimento da cena, que vai se distanciando da primeira impressão causada, para assumir contornos que beiram ao bufo, numa sátira declarada aos clichês das representações cênicas desse universo.
Paira um tipo de cinismo manifesto na opção de dubiedade conferida ao esquete, justamente pela relação entre o hierático e o cômico. A comicidade da cena alcança comunicação com a platéia de modo mais direto quando se liberta da rigidez dos signos orientais que a estruturam enquanto forma.
Ainda assim, é perceptível uma espécie de duelo entre a capacidade de instaurar uma imitação do clima oriental, com todos os seus signos, e o desenrolar de um enredo (que a rigor, na narrativa oriental, costuma ser muito simples e colocado em segundo plano). Tal impasse, que frustra uma suposta eficácia cômica mais tradicional, desfaz-se de modo arriscado no desenvolvimento final do texto, quando esse equilíbrio é desmontado e o diálogo passa do non sense a uma intenção cômica mais clara. Na verdade, a manipulação cômica dos clichês apresentados aparece de modo mais positivo nos momentos não textuais. O diálogo que encerra o esquete, logo após uma ação que já era bastante conclusiva, causa a impressão de que o texto sobra, principalmente porque parece se prender a uma explicação da “historinha”, numa espécie de anedota, que acaba banalizando o clima instigante que é construído ao longo da cena.
Quanto à interpretação, é de se destacar a interessante caracterização dos personagens, reforçada pelos elementos visuais, como figurinos e maquiagem, mas obtida principalmente pela composição corporal, que evidencia uma pesquisa dos padrões dessa tipologia. Entretanto, há opções que causam um estranhamento que inibe um possível desenvolvimento da cena: a artificialidade das risadas (sobretudo a do velho mestre, interpretado por Edson Santiago) é exagerada além do limite, ainda que faça parte do clichê satirizado; e a voz do ator que faz o discípulo (Raphael Janeiro) soa muito forçada durante todo o esquete, com tom e volume que vão muito além do necessário, causando um ruído na comunicação entre a cena e o público. Ele parece traduzir a fala ritualizada do discípulo num registro robotizado e numa impostação praticamente gritada. Não sendo percebido, ao fim da cena, o porquê de um possível uso intencional desse recurso, resta a impressão de uma falha na expressão vocal.
A coreografia final do duelo entre os dois atores (com a qual a cena poderia ter se encerrado) é um momento interessante e de grande comunicação com a platéia, embora tenha se estendido além do necessário.
O destaque para este trabalho é, sem dúvida, a capacidade de instauração do clima oriental através de poucos elementos, e principalmente pela boa apropriação cênica do recurso de iluminação.

sábado, 20 de agosto de 2011

Texto de Leonardo Simões sobre o Festival NIterói de Esquetes 2011.

FESTIVAL NITERÓI DE ESQUETES 2011.
Análise crítica: Leonardo Simões.

Chegamos ao fim da quarta edição do Festival Niterói de Esquetes. A semana de 27 a 31 de julho de 2011 foi um marco do amadurecimento daquela proposta iniciada em 2008, e evidenciou o empenho do casal de produtores Fábio Fortes e Vivian Sobrino, auxiliados pela equipe que viabiliza a realização desse evento que já faz parte do cenário cultural da região.
Dos cerca de cento e cinqüenta trabalhos inscritos, foram selecionados 33 que se apresentaram de quarta a sábado, e foram reapresentados no domingo os 8 selecionados pelo Júri composto por Nara Keiserman, Colmar Diniz e Rubens Lima Jr.
Esse acréscimo de um quarto dia na fase eliminatória foi um dos pontos positivos desta edição, na medida em que reduziu o número de esquetes apresentados por noite, liberando mais tempo para os debates que ocorreram ao fim das apresentações. Ainda assim, o tempo disponibilizado pelo Teatro Municipal de Niterói (até 23h) foi curto para abrigar esses debates, que continuaram na cafeteria localizada na área externa, a fim de que se garantisse o mesmo espaço de discussão a todos os grupos participantes. Nos dois primeiros dias, esse momento de comentários e troca de experiências foi conduzido pelo diretor e professor Marcos Henrique Rego, que muito enriqueceu o Festival com suas observações, sempre elegantes mesmo quando agudas, conquistando um clima harmonioso que tentamos manter nos dois últimos dias, quando foi preciso substituí-lo nessa tarefa em função de outros compromissos que ele havia assumido previamente.
Nesse encerramento de cada noite, os grupos falavam sobre as propostas e o processo criativo de cada esquete, a partir das quais o condutor fazia seus comentários, com intervenções dos outros participantes, num intercâmbio muito interessante para todos. Vale registrar a importante contribuição do ator-diretor Eduardo Landin, com sua presença interessada e atenta em todos os debates, trazendo questões e comentários que alavancaram a dinâmica dessas discussões.
Nas análises que passarei a fazer de cada esquete, muitas dessas questões debatidas serão retomadas, inclusive pela importância do registro escrito; e podem surgir outras já que, em relação aos debates, a análise escrita talvez ganhe em aprofundamento o espaço que lhe falta em extensão.
As análises dos esquetes apresentados neste ano serão liberadas gradativamente, em função do intenso ritmo de trabalho. Antes disso, quero expor aqui um mea culpa em relação a alguns dos participantes das edições anteriores, cujas críticas ainda não me foi possível disponibilizar. Embora não tenha havido, por parte da organização do Festival, uma promessa quanto à crítica escrita para todos os esquetes, reforço meu empenho em preencher essa lacuna assim que seja possível. Ainda que se perca o frescor da análise, todas as observações estão devidamente rascunhadas, aguardando somente a oportunidade para uma redação final.
Quanto a esta 4ª edição, a fim de garantir a objetividade necessária à conclusão dessa tarefa em curto espaço de tempo, pretendo alternar os textos específicos com outros sobre aspectos gerais que se repetiram em várias análises dos esquetes apresentados. Trata-se de uma espécie de “andaime” com seus diversos patamares, nos quais poderei me apoiar fazendo referências posteriores, sem a necessidade de uma trabalhosa repetição no aprofundamento desses aspectos.
Exposta a metodologia, é preciso enfatizar que posiciono essas análises como a leitura de um espectador mais especializado, que procura decodificar os elementos que constituem cada esquete a partir do que foi percebido durante sua apresentação. Para tanto, servem como meras ferramentas as propostas que foram apresentadas por cada grupo na ficha de inscrição e, como complemento, alguns detalhes expostos nos debates dos quais pude participar. Sempre que possível, procurarei registrar também a reação da platéia ao fim de cada apresentação, como um elemento que pode reafirmar ou colocar em questão o texto crítico, numa dialética sempre fundamental à análise do fenômeno cênico.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

RESULTADO FINAL DO FESTIVAL NITERÓI DE ESQUETES 2011

MELHOR ESQUETE:

1º Lugar: PARTES
2º Lugar: UNIMUNDO
3º Lugar: ENSAIO PARA MACBETH I

INDICADOS:
Acontecia em 1950
A cor que carrega o vento
E se fosse você aqui...exatamente agora?
Ensaio para Macbeth I
Inquérito Poético
Partes
Unimundo
Romeu e Julieta?

Júri Popular:

E se fosse você...aqui, exatamente agora.

MELHOR DIRECÃO:
Vencedor: Eduardo Landim por Romeu e Julieta?

INDICADOS:
Celina Bebianno por UNIMUNDO
Eduardo Landim por ROMEU E JULIETA?
Érika Ferreira por A COR QUE CARREGA O VENTO
Leonardo Bastos por PARTES
Reynaldo Dutra por ENSAIO PARA MACBETH I

MELHOR ATRIZ:
Vencedora: Cecília Vaz por UNIMUNDO

INDICADAS:
Anna Luisa Cabral por ALICE
Cecília Vaz por UNIMUNDO
Vanessa Fortini por ESTOU TRAINDO MEU MARIDO
Marília Nunes por O BESOURO E A ROSA
Rafaela Solano por VANISSE NO PAÍS DAS ARMADILHAS

MELHOR ATOR:
Vencedor: Reynaldo Dutra por ENSAIO PARA MACBETH I

INDICADOS:
Brian Amorim por ROMEU E JULIETA?
Danilo Rosa por E OS LIVROS NEM SÃO TÃO PESADOS
Léo Castro por E SE FOSSE VOCÊ...AQUI, EXATAMENTE AGORA?
Max Oliveira por INQUÉRITO POÉTICO
Reynaldo Dutra por ENSAIO PARA MACBETH I

MELHOR TEXTO ORIGINAL OU ADAPTADO
Vencedor: Gustavo Berriel por UNIMUNDO

INDICADOS:
Carol Poesia por INQUÉRITO POÉTICO
Sylvio Moura por A COR QUE CARREGA O VENTO
Léo Castro por E SE FOSSE VOCÊ...AQUI, EXATAMENTE AGORA?
Gustavo Berriel por UNIMUNDO
Diego Fernandes e Marcela Galvão por POUT POURRI

VISUALIDADE:
Vencedor: Ensaio para Macbeth I

INDICADOS:
Ensaio para Macbeth I
O piquenique
Partes
Romeu e julieta?
Unimundo

PRÊMIO ESPECIAL DO JURI:
Vencedor: músico Dida Melo pela composição musical de A COR QUE CARREGA O VENTO

INDICADOS:
A trilha sonora de ENSAIO PARA MACBETH I
A trilha sonora de PARTES
A trabalho corporal de ACONTECIA EM 1950
O músico Dida Melo pela composição musical de A COR QUE CARREGA O VENTO